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Alcança quem não cansa

Um Blog utilizado para a divulgação das obras de Aquilino Ribeiro. «Move-me apenas o culto da verdade, pouco me importando que seja vermelha ou branca.» [Aquilino Ribeiro]

Um Blog utilizado para a divulgação das obras de Aquilino Ribeiro. «Move-me apenas o culto da verdade, pouco me importando que seja vermelha ou branca.» [Aquilino Ribeiro]

Alcança quem não cansa

30
Set23

"JARDIM DAS TORMENTAS" (1913) (Contos) - Carta-Prefácio de CARLOS MALHEIRO DIAS - [p. 6 de 15]

Manuel Pinto
[p. 6 /15]    

 

AO SR. AQUILINO RIBEIRO.

 

«Em uma carta escrita a uma fidalga sua parenta, narrando a entrevista que tivera na sala dos carcereiros com um anarquista, a presa do Aljube, D. Constança Teles da Gama -- que triunfo para os Javerts militares da república uma tal captura! -- escrevia estas profundas palavras: «Afinal, ele é no fundo um pobre idealista como eu. Entre um anarquista e um carmelita há apenas a diferença de uma linha. Mas essa linha cobre um abismo.» Essa reflexão da neta de Vasco da Gama, que dorme numa dura enxerga, sob os mesmos tectos que abrigam as ladras e as mulheres perdidas, expiando o delito indefensável de haver pretendido suavizar as inomináveis barbaridades da justiça política, eu a posso aplicar, quase com propriedade, ao nosso caso.

Ambos nós sendo constituídos do mesmo efémero e frágil barro humano, e ambos sofrendo dessa nobre enfermidade da alma que é a sensibilidade artística, ambos professando o mesmo religioso culto pela Beleza e tendo educado a nossa inteligência na contemplação e na meditação das mesmas obras de arte, na leitura dos mesmos poetas e dos mesmos filósofos, como seria possível que a nossa visão de harmonia social resultasse diversa? Positivamente, aspiramos -- o antigo e heróico preso da esquadra do Caminho Novo, e o antigo e laborioso chefe de gabinete dum ministro -- a finalidades idênticas. Os nossos itinerários variam. A nossa marcha difere. Eis tudo. Enquanto um de nós, na ânsia de chegar mais depressa, fustiga os corcéis com a sua rédea de bronze e vai, como um furacão, derrubando o que encontra na passagem, o outro -- e este sou eu -- caminha com cautela, para não esmagar as formigas e não assustar as abelhas.»...

...

                                            (Continua)

 
29
Set23

"JARDIM DAS TORMENTAS" (1913) (Contos) - Carta-Prefácio de CARLOS MALHEIRO DIAS - [p. 5 de 15]

Manuel Pinto
AO SR. AQUILINO RIBEIRO.

 

[p. 5 /15]    

 

«Justamente, é esta circunstância que dá excepcional e oportuna significação ao meu aparecimento na sua obra. Sem que seja preciso atribuir o seu convite a esse secreto empenho de dar um público e salutar exemplo de tolerância a uma sociedade concentrada e retraída nas suas paixões, o  facto de demonstrarmos ser possível a dois adversários políticos o darem-se cordialmente as mãos basta para desbanalizar este prefácio, que eu nunca saberia afinar pelas belezas capitosas da sua obra de artista. E eu quero, por isso mesmo, não só testemunhar-lhe o meu reconhecimento por haver arrancado da obscuridade o meu nome, dando-lhe um lugar de imerecida evidência no seu livro, mas também declarar que nele me sinto à vontade, sem o mais leve constrangimento. É que nós somos, muito mais do que à primeira vista parece, semelhantes. Ambos pertencemos à família, cada vez mais reduzida, dos que têm a coragem das suas opiniões, dos que sabem sacrificar-se pelas suas crenças, dos que podem viver e morrer com a sua fé. Esta identidade de carácter, que nos permite, ao revolucionário e ao conservador (e o meu conservantismo vela piedosamente a obra revolucionária de meus avós) entendermo-nos, explica, melhor do que as mais engenhosas e subtis dissertações, esta atracção de simpatias.»...                                                                            

                                                                                                         (Continua)

 
27
Set23

"JARDIM DAS TORMENTAS" (1913) (Contos) - Carta-Prefácio de CARLOS MALHEIRO DIAS - [p. 4 de 15]

Manuel Pinto
AO SR. AQUILINO RIBEIRO.

 

[p. 4/15]

 

«Dir-se-ia, a um primeiro e superficial exame, que as nossas existências, por seguirem trajectórias diversíssimas, nunca se encontrariam. E, contudo, eis-nos aqui, fraternalmente juntos -- e esta fraternidade não é a de Abel e Caim.  -- Porquê? Nenhum de nós fez às suas opiniões o mínimo sacrifício em benefício desta camaradagem. Eu me conservo fiel às convicções em que se educou o meu espírito, e nelas venero um património familiar. O Sr. Aquilino Ribeiro não necessita de que eu venha servir de fiador à constância inquebrantável da sua fé de revolucionário. Hoje, como quando há doze anos, ainda vibrando à decepção dolorosa que a minha juvenil iniciação na política me custara, escrevia Os Teles de Albergaria -- tudo o que em mim raciocina encara as revoluções feitas de baixo para cima como modos iníquos de subverter o que não se sabe corrigir. Fiquei sendo, irredutìvelmente, um partidário da força consciente da inteligência contra a inteligência cega da força. Debalde tenho procurado, nas minhas pesquisas de História, constatar a pseudoverdade de que os benefícios derivantes das revoluções compensam as calamidades que originam. As revoluções, mesmo as mais pacíficas, aparecem-me pululando duma fauna moral aterradora. Para as feras que elas geram, acaba sempre por ser preciso que a Providência crie um beluário... pois que já não descem à terra os Orfeus.

Isto lhe não venho dizer para provocar, no vestíbulo duma obra literária, que eu deveria engalanar de loiros, mirtos e rosas, uma altercação política, mas apenas para patentear a fundamental divergência que, embora fazendo de nós antagonistas (nesta hora dominada, até à exaustão de todos os restantes interesses sociais, pela politica) nos permite a cordialidade indispensável à reunião, aqui, dos nossos nomes.»...

                                                       

                                                                                       (Continua)

 
27
Set23

"JARDIM DAS TORMENTAS" (1913) (Contos) - Carta-Prefácio de CARLOS MALHEIRO DIAS - [p. 3 de 15]

Manuel Pinto

 

AO SR. AQUILINO RIBEIRO.

[ p. 3/15 ]

 
«Então, porquê?
Porque, entre os tantos que na sua estima convivem, me escolheu a mim, esquecido novelista romântico, para que as minhas palavras coubessem no mesmo livro perto das suas? Porque havemos nós dois de nos dar as mãos no átrio deste volume? Porque acidentados, sinuosos caminhos andou a sua simpatia atrás de mim para encontrar-me neste isolamento agreste em que vivo? Que houve, que há, que haverá de comum entre os nossos destinos, aparentemente contraditórios, para que assim tenhamos de aparecer juntos, numa aliança inverosímil, perante os que o afagam e me injuriam, diante dos que o louvam e me agridem, em face dos que o exalçam e me deprimem? Como vai ser possível explicar à intolerância dos meus detractores -- que são os seus apologistas -- este enxerto híbrido do prefácio dum sobrevivente do passado no livro dum primogénito do futuro? E, se esquecermos a escandalizada plateia em burburinho, onde avultam os convertidos S. Paulos do regime, e perante a qual comparecemos, para só a nós próprios nos interrogarmos, como haveremos, ambos exigentes como somos de verdades admissíveis, de justificar esta aproximação ilógica?»
...               
 
                                  (Continua)
26
Set23

"JARDIM DAS TORMENTAS" (1913) (Contos) - Carta-Prefácio de CARLOS MALHEIRO DIAS - [p. 2 de 15]

Manuel Pinto
AO SR. AQUILINO RIBEIRO.

 

[ p. 2 / 15 ]

 

«Depois, porém, que desde a folha primeira à derradeira folha, os meus olhos indagadores, acompanhados pelo meu espírito enlevado, percorreram estas trezentas páginas onde mil sabores diversos se misturam, uma certeza, sobre todas as minhas sensações de leitura, me obsidia. É que o leitor do seu livro se importará bem menos de saber o que penso das suas superiores aptidões de literato, do que de conhecer os motivos que puderam conduzi-lo a solicitar-me este prefácio dispensável, concedendo-me a honra de o trazer pela minha mão obscura ao proscénio das letras. Evidentemente não foi a aura dum nome consagrado -- tanto mais que o jacto eléctrico da celebridade hoje só ilumina no tablado os Cagliostros e os Fra-Diavolos da política... -- que em mim procurou para adorno do seu livro, que de tal enfeite não carecia, tão sumptuosamente o trajou de estilo a sua arte exímia de escultor de pensamentos.» ...

                                                                                                                                              (Continua)

 

 

 

 

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