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Alcança quem não cansa

Um Blog utilizado para a divulgação das obras de Aquilino Ribeiro. «Move-me apenas o culto da verdade, pouco me importando que seja vermelha ou branca.» [Aquilino Ribeiro]

Um Blog utilizado para a divulgação das obras de Aquilino Ribeiro. «Move-me apenas o culto da verdade, pouco me importando que seja vermelha ou branca.» [Aquilino Ribeiro]

Alcança quem não cansa

31
Out23

SOLILÓQUIO AUTOBIOGRÁFICO LITERÁRIO por Aquilino Ribeiro: (c.1) - RAZÕES DE SER DO ESCRITOR

Manuel Pinto

Aquilino 1960.jpg

 

«Nunca soube o que era servidão aos preconceitos, ao poder, às classes, nem mesmo ao gosto do público. Se pequei, pequei por conta própria, exclusivamente. Em todos os meus livros, se pode verificar mais ou menos esta rebeldia de carácter, desde as Terras do Demo ao Quando os Lobos Uivam. Não direi como o alferes de bandeira: morra um homem e fique fama, nem como o meu saudoso Afonso Lopes Vieira: Salvemos a alma, isto é a dignidade de consciência, mas apenas cumpri o dever contraído para comigo mesmo desde que aprendi a pensar. Estive também na primeira linha da barricada. O homem de letras é um interventor no mundo, não deixando por isso de fazer arte.» (...)

 
30
Out23

SOLILÓQUIO AUTOBIOGRÁFICO LITERÁRIO por Aquilino Ribeiro: (b.3) - VIDA E MORTE DO OBREIRO DAS LETRAS

Manuel Pinto
«Raul Brandão, Brito Camacho, Agostinho de Campos, Alves Martins, Afonso Lopes Vieira, Augusto Gil, António Patrício, Bourbon e Meneses, Alfredo Brochado, Raul Proença, Gomes Monteiro, Samuel Maia, ultimamente Carlos Olavo, é densa a falange que a morte ceifou. Alguns pela sua rebeldia e inconformidade jazem no limbo. Outros penam no purgatório. Quantos gozam da luz radiosa?

Um destes estou a vê-lo subir e descer a calçada, alto e curvo, branco, de uma brancura de choupo esfolado, com a capa de Sgnarelo às costas e a bengalinha arcaica na mão, o criador do Gabiru. Tinha sido uma espécie de Luciano das ratas quanto aos pavores de além campa, um convulsionário de ideias macabras, e faleceu cercado de todos os fantasmas a que deu vida sobrenatural truculentíssima.Tinha medo do vácuo e deixou um vácuo bem assinalado no terreno das letras.

De outro, Carlos Amaro, também negreja a lacuna que ficou. Era um romântico impenitente com real e precioso talento. Condensava no sangue toda uma repugnância invencível para o esforço. Fosse insatisfação, molície nata, desdém olímpico pelo seu semelhante, não deixou mais que fátuas posto que coruscantíssimas centelhas.

Brito Camacho vinha encostar-se ali onde já Alexandre Herculano se encostava, à porta da Bertrand, a ver subir e descer o pitoresco arroio de mundanidades. Nos últimos tempos a sua inconformidade com o Universo traduzia-se mais em melancolia do que em borbotões de chiste e pilhéria. Supõe-se que partiu sem saudades.

Afonso Lopes Vieira, que escreveu a hereticíssima poesia A Cruz, da mesma índole que a Pavorosa Ilusão da Eternidade, gratuitamente atribuída a Bocage, já foi perdoado pela Igreja, cujos dignitários compareceram na erecção do seu monumento. Ainda bem. Perdoar aos mortos é altamente cristão e, quando se trata de altos espíritos, a própria coreia dos belos deuses pagãos, à testa Dionísios, aplaudiria. Há-de perdoar também a Fernando Pessoa, a Florbela Espanca, ao nosso grande Camilo, que ainda está no lugar onde reina a treva e o ranger dos dentes. Para isso é santa madre. Não preside à cristandade lusitana um nobilíssimo cultor das letras?

Carlos Olavo, que era um temperamento puro de democrata, incarnava um escritor primoroso. Dir-se-ia que o esplendor de um sombreava outro. Levou consigo, dir-se-ia, a alegria do mundo e a confiança na vitória de uma grande causa.

Há eclipses inadmissíveis na memória dos contemporâneos. As nebulosidades interpostas dissipam-se, porém, e os astros voltam a brilhar. Não é condição dos espíritos, como as brasas na noite, bruxulear e acender-se ao bafejo da aragem? Mas eu, olhando para o caminho percorrido, tenho a impressão de ter passado apenas através de uma via Ápia!» 

 
29
Out23

SOLILÓQUIO AUTOBIOGRÁFICO LITERÁRIO por Aquilino Ribeiro: (b.2) - VIDA E MORTE DO OBREIRO DAS LETRAS

Manuel Pinto
«Com mais filosofia ou menos filosofia, desespero ou renúncia, o resolutório é idêntico para todos. As religiões, que são Casas da Misericórdia para o espírito, prometem-nos a imortalidade, e não será heresia supor que nesse pensamento orgulhoso lateja ainda de modo subconsciente a própria lei de conservação. Porque me preocupa tanto o meu bem-estar e aspiro à beatitude plenária, ou seja a satisfação integral das minhas volições?

Independentemente da filosofia pataqueira que cada um pode bordar sobre os destinos, é sempre com olhos próximos e egoístas que observamos estas efemérides sociais.

A secção do obituário nas gazetas é, por faceto contraste, a mais viva de todas. As vagaturas sucedem-se e os vivos correm sofregamente a preenchê-las. É comum dizer-me que não há ninguém neste Mundo que seja absolutamente indispensável. Talvez. Mas também pode contrapor-se-lhe esta máxima: é que há pessoas absolutamente insubstituíveis.

Se deito olhos para a república das letras nestes últimos decénios apercebo-me de clareiras que nem todas estão preenchidas. De certo há a seara em flor. Outros estão a produzir os primeiros bons frutos outonais. Em certas épocas o Chiado era um viveiro de poetas e de candidatos à glória pelas artes e as letras. Uma sorte de Liceu, em Atenas. Hoje, menos. Desertaram para outras paragens. Elegeram possivelmente outro "forum". Lisboa multiplicou-se como sucede com todas as grandes cidades, e admite-se que vicejem em cada bairro actividades próprias. Em princípio não é para admirar que a Estrela, Campo de Ourique, Castelo, Avenidas Novas, etc. possuam como encartados os seus folhetinistas, os seus novelistas, os seus historiadores, os seus críticos e de certo os seus vates. Mas averiguando bem, o que estes bairros ostentam orgulhosamente são os seus internacionais de futebol, os seus atletas em luta greco-romana, os seus ases em halteres e em jiu-jitsu. De modo que a rarefacção de homens de letras na maturidade que se nota no Chiado é a mesma que a malina provoca numa aldeia.» (...)

 
28
Out23

SOLILÓQUIO AUTOBIOGRÁFICO LITERÁRIO por Aquilino Ribeiro: (b.1) - VIDA E MORTE DO OBREIRO DAS LETRAS

Manuel Pinto

Aquilino a banca de escritor 2.jpg

«Passei a vida dobrado sobre a banca de escritor e só há pouco dei conta que estava velho. Como pôde isso ser? Pois parece que foi ainda ontem que fiz o meu curso, que me refugiei em Paris, que bati as perdizes, que amei, e já estou na casa dos setenta?!
No deslize fluvial do tempo, os homens lá vão levados tão rápido que nem reparam, breve atingindo o salto de catarata que os despenha nos abismos do silêncio e da treva.
Ouve-se afirmar que morrer custa pouco, e não passa em última análise de uma reacção simplicíssima como tudo o que ocorre na física de um colóide. A nossa fantasia é que, encharcada dos terrores medievais, pinta de negro caliginoso o panorama da hora derradeira.
Anatole France, no acto de trespassar, dirigia-se à terna sombra maternal, como que alado já acima do seu ser:
  -- Mamã! É assim a morte...?!
A um outro espírito gentil, Newton de Macedo, professor de letras, de formação cartesiana e nobre envergadura moral, que sucumbiu, prematuramente, a qualquer enfermidade traiçoeira, também ouviram murmurar:
-- Oh, deixar este Mundo é mais fácil do que se julga.
Seja embora um fenómeno de ordem fisiológica, trivial como outro qualquer, o certo é que em regra não há homem, de bem ou mal com a vida, pouco importa, que não tenha medo de morrer. Descem até penetrais improfundáveis as raízes do instinto de conservação, e anular no plano objectivo essa vis vivedoura não reverte aos foros da consciência.
Mas, assim ou assado, a torrente temporal que nos leva vai-nos envelhecendo e aproximando do inexorável pego e, se se espraiam os olhos em perspectivas interiores, vêem-se alguns homens do nosso tempo deixar-se ir à deriva com a serenidade búdica dos orientais na cheia dos seus grandes rios, e outros bracejar, espadelar a água com o vigor e a fúria de quem faz parte de uma competição. Vale a pena a freima destes últimos?»
 
 
27
Out23

SOLILÓQUIO AUTOBIOGRÁFICO LITERÁRIO por Aquilino Ribeiro: (a.12)-IDENTIFICAÇÃO

Manuel Pinto

Aquilino_Desenho João Abel Manta.jpg

«Muito divago sobre a missão do escritor. Como tudo neste Mundo é, na minha opinião, desprovido de finalidade e talvez até de senso, não é fácil assinalar um fim ao escritor. Que realize o mundo de beleza que traz em si, e é já alguma coisa. Quanto ao mais, que seja o que lhe apetecer, desde que não arme em fariseu, e não esteja nunca contra os simples de braço dado com os trafulhas, nem contra os fracos de braço dado com os poderosos. Nada me fará sacrificar aos gostos nem aos caprichos do público. Desejaria que a minha obra passasse as fronteiras, mas não sou impaciente nem sôfrego. Isso acontecerá se eu o merecer. Não é o espírito por natureza irradiante?»
 
 

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