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Alcança quem não cansa

Um Blog utilizado para a divulgação das obras de Aquilino Ribeiro. «Move-me apenas o culto da verdade, pouco me importando que seja vermelha ou branca.» [Aquilino Ribeiro]

Um Blog utilizado para a divulgação das obras de Aquilino Ribeiro. «Move-me apenas o culto da verdade, pouco me importando que seja vermelha ou branca.» [Aquilino Ribeiro]

Alcança quem não cansa

29
Fev24

TEMPO...

Manuel Pinto

«É preciso ser do seu tempo, se não se puder ultrapassar, prevendo ao longe a passagem da seta disparada das coisas.»

Paris, inverno de 908-910.
Aquilino Ribeiro, in Alma Nacional, n° 19 de 16/VI/1910.

«O tempo, porém, corre mais depressa que um ladrão que tem medo.»

Aquilino Ribeiro, Filhas de Babilónia. 1920. Novelas.

                     * * * * * * * * * *

«..tempo é dinheiro. Isso é uma monstruosidade. Tempo não é dinheiro. Tempo é o tecido da nossa vida, é esse minuto que está passando. Daqui a 10 minutos eu estou mais velho, daqui a 20 minutos eu estou mais próximo da morte. Portanto, eu tenho direito a esse tempo...»
https://aviagemdosargonautas.net/2017/07/11/antonio-candido-tempo-e-o-tecido-da-nossa-vida-enviado-pelo-camilo-joseph/ 

                                            * * * * * * *

Todo o tempo é de poesia.
https://livrologia.blogs.sapo.pt/tempo-de-poesia-2163945 

                                                    * * * * *

O tempo é medo que passa,
o medo é tempo que fica, ...
https://livrologia.blogs.sapo.pt/o-tempo-e-medo-que-passa-1665918

                         * * * * *

Venho do fundo do tempo;
não tenho tempo a perder.

https://livrologia.blogs.sapo.pt/fala-do-homem-nascido-2204233 

https://youtu.be/rUxFaVzA4w4?si=laYHR-_tRO0231Lb 

                                               * * * * * * * * * *

1. Calendários

http://www.mat.uc.pt/~helios/Mestre/H01orige.htm 

2. «Buraco no Calendário»

https://dererummundi.blogspot.com/2007/08/um-buraco-no-calendrio.html 

3. Anos Bissextos * Dia 29 de Fevereiro

https://dererummundi.blogspot.com/2008/02/origem-dos-anos-bissextos.html 

4. RIJOMAX  -- O Relógio mais completo do mundo - Patente registo nº 12931.

RIJOMAX_2020.jpg

Documentos RIJOMAX.jpg

Amandio Jose Ribeiro-Rijomax.jpg

Tabuaço, 16 de Abril de 1998.
 
Nasci no dia 29 de Fevereiro de 1952 (ano bissexto), na freguesia de Avintes, concelho de Vila Nova de Gaia.
Assim, "alcanço" e completo hoje 72 Anos Solares "equivalentes" a 18 (72/4) Anos Bissextos do calendário gregoriano, em vigor. Acabo, portanto, de realizar com sucesso a minha 72ª viagem orbital da Terra à volta do Sol...
 
                                     * * * * * * * * * * * * * * * * * *
 
Ao abordar a "Medição ou mensuração do Tempo" é indispensável e obrigatório consultar e estudar o magistral trabalho do grande Mestre relojoeiro Senhor Amândio José Ribeiro (Pinhel, 18-11-1912 -- Tabuaço, 30-08-2002) que inventou e construiu o «RIJOMAX - O Relógio mais completo do Mundo", com programação para períodos de 6272 anos»; patente Registo nº 12931.
"Para concretizar esta obra, o seu criador consumiu milhares de horas de trabalho, desde 1945 até 1973."
 
Em 16 de Abril de 1998, viajei até à Vila de Tabuaço, com o principal propósito de conhecer pessoalmente o Sr. Amândio José Ribeiro e observar a sua obra-prima!
[RIJOMAX é o acrónimo de Ribeiro JoAmândio ]. 
 
Anexo imagens da documentação que me foi gentilmente oferecida pelo Mestre, alusiva aos cálculos necessários para corrigir a diferença horária existente entre o calendário Gregoriano e o tempo Solar, bem como a enumeração das características únicas desta monumental e esplendorosa "Obra Misteriosa"!
 

«RIJOMAX - Programação para períodos de 6272 anos»

  • cada Ano Solar tem 365 dias, 5 horas, 48 minutos e 45 segundos;
  • ao fim de 4 anos o tempo excedente dos 365 dias será: 4 x (5h + 48m +45s) = 23 horas + 15 minutos, e cada ano bissexto é pois acrescido de um dia (o mês de Fevereiro tem 29 dias nos anos bissextos);
  • ao fim de 128 anos (32 bissextos) existe mais um dia no calendário correspondente ao acréscimo de 45 minutos em cada ano bissexto: 128/4=32; 32 x 45 minutos = 1440 min. / 60 = 24 horas. Haverá, pois, que suprimir esse dia, mas registar adicionalmente 29 minutos e 37 segundos que corresponde à diferença diária (57 + 1/3 segundos) entre o tempo solar e calendário;
  • ao fim de 6272 anos [49 períodos de 128 anos (32 anos bissextos)], o RIJOMAX terá suprimido 49 dias, mas terá contabilizado a diferença diária (57 + 1/3 segundos) entre o tempo solar e calendário que ascenderá a 24 horas, 11 minutos e 13 segundos, pelo que será suprimido um dia extra, ou seja,  Fevereiro terá 27 dias no ano 8172 (ano de 1900 d.C. + 6272).
«UMA OBRA MISTERIOSA:  RIJOMAX - Terra, Sol e Lua»
Equipado com vários mostradores para marcarem o movimento horário do Sol e da Lua e outros para marcarem as datas que contêm mais de 16.000 algarismos e letras.
O relógio marca segundos, minutos, 24 horas, a hora universal, a Solar, a Legal, as do Bissexto, o tempo atrasado e o avançado, suprime 24 horas de 128 Anos e conta a Era até 1.000.000 de anos sucessivos.
Marca o Nascer e o Pôr do Sol a horas regulares e com luz fornecida por corrente eléctrica, crescem e decrescem os dias, marca o dia e a noite com escala diária de quantas horas e minutos tem o dia e a noite. Marca os Equinócios, os Solstícios e as Fases da Lua com luz que recebe do dito Sol.
Calendários Perpétuos
Marca os anos Bissextos e comuns 30, 60, 90, 120, 150, e 180 dias da data.
Marca as semanas e os dias da semana, os meses e os dias dos meses e quantos faltam para o fim do Ano, as Estações e os dias das Estações, os Signos e os dias dos Signos, os Semestres, os Trimestres e um calendário que marca em que dia da semana começa cada mês e outro se o Ano é Bissexto, 1°, 2° ou 3° comum além do último Bissexto, as datas das fases da Lua e a mudança de tempo e ainda os números do Ciclo Solar, Áureo número, (Cyclo lunar) Epacta, letra Dominical, as Eras cronológicas, os dias da Era de Cristo, os Séculos e possui Calendários para se saber o dia da Semana de qualquer data desde o dia 1 de Janeiro do Ano 1 da era de Cristo até ao presente e futuros.
Marca os Feriados, os dias dos Santos e as Festas Móveis.
Tem sinal de Chamada, Barómetros, Termómetro e aparelho de indicar os Pontos Cardeais.
Desperta por música à escolha, por campainha e acende luz, tudo à hora desejada. Fala dizendo quantas horas são; dá uma saudação em vocabulário religioso e tem ainda um aparelho para chamar o dono da casa.
 
No decorrer da memorável e inesquecivel visita ao seu estabelecimento comercial (relojoaria e ourivesaria), o Senhor Amândio confidenciou-me:
  -- Se fosse hoje, construía o RIJOMAX com metade do peso e das dimensões!...
 
 
28
Fev24

ANTOLOGIA _ A1 ( I - 92) - JARDIM DAS TORMENTAS. 1913. Contos. «Os Ladrões das Almas»

I - Jardim das Tormentas. 1913

Manuel Pinto

(...) «Em casa dos Cletos a fome assentou arraiais. Para não falecerem à míngua, os velhos saltavam às hortas, ao acaso dos donos, colher ora um olho de couve, ora a molhada de nabiças temporãs. À boca pequena começou a soprar-se que percorriam os campos, altas horas, o Zé com um bacamarte carregado de cabeças de prego, o velho com uma saca onde abismava tudo, couves tronchas, galinhas e cabritos transviados.
Todo o sumiço de animais era agora lançado à conta dos Cletos, quando antes era atribuído ao teixugo e aos arraianos que compram ovos pelas portas e passam o contrabando, cordão para isca, o seu corte de bombazina, brownings de 9 c. fabricadas em Bilbau. A sua nomeada de ratoneiros foi crescendo até chegar a vila e termo.
  -- Estes almas de cão -- confessou uma vez o filho do Cleto a Isaac -- só porque lá os velhos apanham de quando em quando uma folha de couve pelas hortas, fazem de nós uns Zés do Telhado! Um dia derranco-me!
Isaac bateu-lhe no ombro, em tom de confidência:
  -- Tudo vai em saber roubar, Zé. E o saber roubar está alguma coisa no modo, mas muito na cifra.» ...
Se puderes palmar uma herança de muitos contos, fazem-te comendador. Serás rico e respeitado. Se não puderes roubar assim à valentona, arma em santanário e pede para as almas. E vive-se. O diabo é pilhar um pão ou uma abóbora pelos campos. Parece mal e vai malhar-se com os ossos às cadeias celulares...
  -- Nunca furtei uma agulha. É lá minha mãe que tem fome.
  -- Fome não tem lei. Nesse caso é roubar tudo o que cair debaixo dos cinco mandamentos. É tirá-lo a todos, a mim, ao burguês, ao cura. Com fome, há o direito de dinamitar uma padaria para apanhar um pão.
  -- E a costa de África?
  -- Na costa de África come-se o rancho do Estado.
Mas os Cletos, formados no respeito da propriedade, só com muita lazeira se atreviam a ripar uns folharecos de caldo, ou uns porros, no campo alheio. Também, de Inverno, não havia outra coisa que forragear... E à míngua de tudo iam passando os dias. Sempre teimoso, o pai continuava a lançar as armadilhas nas veredas onde a lebre é vezeira e nas encruzilhadas da serra, onde, com a geada, os coelhos vêm despejar o fole. E era toda uma trabalheira, à noite e ao amanhecer, para caçar, de tempos a tempos, um laparoto, ainda bisonho, pouco estreado nos ardis do bicho homem.»                                                                                                                                                            (continua)

Derrancar estragar, desancar, espantar, irritar, ir abaixo das pernas.

https://alcancaquemnaocansa.blogs.sapo.pt/glossario-sucinto-para-melhor-29693

abismar
n verbo 

 transitivo direto e pronominal 
1 precipitar(-se) no abismo; fazer soçobrar ou soçobrar
Ex.: <a tempestade abismou o barco no mar profundo> <o bote abismou-se durante a tormenta>

  "Dicionário Eletrónico Houaiss da Língua Portuguesa"

26
Fev24

ANTOLOGIA _ A1 ( I - 91) - JARDIM DAS TORMENTAS. 1913. Contos. «Os Ladrões das Almas»

I - Jardim das Tormentas. 1913

Manuel Pinto

(...) «Um dia o pão e as batatas faltaram de todo em casa. Comer de grilo. Não havia quem fiasse, devendo já quinze alqueires ao padre Claro e vinte e cinco tostões ao filho, afora os pequenos empréstimos a tutilimúndi. Estava um Inverno rigoroso e os rebanhos não saíam ao pasto, ficando a roer nos estábulos o feto seco de Primavera, de mistura com coanhos de centeio, quem tinha para lhos deitar. Caía neve e, pelos cômoros, mal se avistavam uns arrepios de erva que as ovelhas paridas, molhadas pingando e balindo, iam espontear, de relance, sob a chibata do pegureiro. Vezes a fio, apresentou Joana à sua gente caldo de hortelã-pimenta com duas areias de sal. O Cleto acabou por praguejar e o Zé, com a ira, por partir a malga no chão. A mãe voltou-se para ele, em voz de sarcasmo e ao mesmo tempo de dor:
  -- Olha, se queres ser regalão vai ganhá-lo. Onde não há, el-rei o perde!
Amarelos como a cera melada, os meninos berravam por todos os foles que tinham fome.
(...)
Joana, perante tanta miséria, vestiu-se dos melhores farrapos e deitou-se a Longa debaixo de neve. Havia muito que lá não punha pés, desenganada da vila como a vila estava olvidada dela, pobre e sem graças.
Ao anoitecer, os pequenos saíram-lhe ao encontro, com o faro nas bolas-milhas, que sempre lhes trazia para regalo, compradas no padeiro; a mãe sacudiu o avental, a chorar:
  -- Não vos trago nada, meus filhos!
O Cleto jungiu os ombros:
  -- O Loba mandou-te à tabua...! Não era de esperar outra coisa de semelhante macacão...
De porta em porta, ai tio, ai tio, bateram à do mestre-escola, diabo de homem que não ia à missa nem se confessava. E, contra a expectativa, encontraram ali uns tostões. Nesse dia, comeram batatas com azeite e pão de rala. E, mais comunicativo que de costume, o Zé declarou que a porca da vida assim ia mal, que partia a assentar praça se não arranjasse passagem para o Brasil.
  -- Para o Brasil! -- exclamou Joana. -- E que vais lá fazer? Tu não te domas ao trabalho!
O filho, que estava em hora de ternura, melindrou-se e desabridamente retorquiu:
  -- Vá para um raio!
A mãe rompeu em grande berreiro. Mas, conciliador e patriarcal, o Cleto puxou do açafate, em que haviam sobejado migalhas, para o meio da família. E sobre ele, descoberto à benção da casa toda, louvou ao Senhor:
  -- Infinitas graças e muitos louvores devemos dar a Deus por tão altos benefícios: padre-nosso...
  -- Hás-de ir parar a uma cadeia, cão! -- resmoneava Joana. -- Se alguém tem uma linguagem destas para os pais... Safado!
(...)
  -- ...bem diz a mulher do Andrade! Inda hás-de sair aos caminhos...» ...
                                                                      (continua)


Tutilimundi toda a gente.
Regalão folgazão, glutão. felizardo, nababo, fidalgo, ocioso.
https://alcancaquemnaocansa.blogs.sapo.pt/glossario-sucinto-para-melhor-29693

jungir

n verbo 
 transitivo direto e bitransitivo 
1 promover a junção de; juntar, unir, ligar
Ex.: <j. idéias desconexas> <j. a teoria à prática>
 transitivo direto e bitransitivo 
1.1 emparelhar (animais) por meio do jugo, ligando-os a veículo ou máquina agrícola
Ex.: <j. cavalos> <j. os bois ao arado>
 transitivo direto e bitransitivo 
2 submeter através da força; agrilhoar
Ex.: <j. nações> <j. ao arbítrio de um déspota o destino de um povo>
 "Dicionário Eletrónico Houaiss da Língua Portuguesa"
25
Fev24

ANTOLOGIA _ A1 ( I - 90) - JARDIM DAS TORMENTAS. 1913. Contos. «Os Ladrões das Almas»

I - Jardim das Tormentas. 1913

Manuel Pinto

(...) «As malhadas eram para os Cletos o período das vacas gordas.
(...) ...
Os Cletos traziam atrás deles, pelas malhas, toda a familagem: a Joana, reles coanheira, e os pequenos, que, à sombra quente das medas, jogavam com bugalhos e maçãs-cucas. Este séquito fazia dizer aos senhores da malhada:
  -- Com uma novena destas, os pimpões não ficam baratos.
O Zé granjeava neste período com que pagar na taverna e comprar um terno de saragoça; o Cleto com que adquirir umas fornadinhas de pão e vestidos de cotim para as crianças. O Zé, além disso, ficava armado para a festa da Lapa, que batia quase sempre ao fim das malhadas. Aí, então, pagava vinho como um brasileiro acabado de chegar e, embebedando-se, envolvia-se em rixas de que sempre saía com a cabeça rachada. E era pelo estendal de bazófias e filistrias que os moços na terra lhe tinham respeito e as raparigas o viam com olhos de ternura.
No Verão levavam os Cletos esta vida airada de cigarra. Mas chegava o Inverno e sentiam-se fora de si, fora do meio, como belos animais que acompanham o sol em matéria de dar ao mundo a quota de préstimo com que os dotou a natureza. Em vez de pulsos esforçados tornavam-se precisas mãos pacientes e maneirinhas. Quando no cabanal do padre Claro se acabavam os troncos de árvore, o pai Cleto punha-se a tecer palhoças, pouco buscadas e mal vendidas.
À noitinha, ia armar "ferros" nos tourais de coelho e fios às lebres na linha das demarcações. Saíam por via de regra frustradas as suas canseiras, e lá continuava a tecer os polainos de junco, indolentemente, ao lado do filho, que tocava harmónio, ou dormia de papo para o ar, tendo passado a noite na vida marota. Diante de dois tições,  Joana remendava, e as semanas e os dias decorriam assim tremendamente vazios, mais fastidiosos que a chuva miúda, ping-ping-pang, ao cair do telhado para as escaleiras.
Às vezes o Zé ia pirangar, com as moças, pelas quintãs, e Joana saía ao mato. O Cleto, vendo-se só, com o apetite sempre desperto, passava busca à salgadeira e bifava o que lhe caía debaixo da unha, naco de toucinho, ou chouriço reservado para os dias santos. E despedia a imolá-lo na taverna com este ou aquele súcio dos povos vizinhos, a quem tivesse vendido um par de polainos.
Debalde esporteirava Joana contra a gula do homem:
  -- Um alma do diabo destes, que não tem onde cair morto, e lambisqueiro como um abade! É preciso fechar tudo a sete chaves, senão... olho vê, pé vai e mão pilha.
A carmear o junco, o Cleto desatava a berrar e jurava pela sorte dos filhos que não havia tocado na salgadeira.
  -- Assim Deus me salve se pus dedo molhado na ucha da grande filha da puta!» ...
                                                                                 (continua)

Coanhar separar o palhiço na eira.
Filistrias flostrias. » Flostriar — foliar, brincar.
Esporteirardisparatar à porta, proclamar.
Lambisqueiro petisqueiro, lambareiro, guloso.

Carmear desfazer os nós da lã e limpá-la para se cardar.
Uchas arcas; cair na ucha: cair na esparrela.

https://alcancaquemnaocansa.blogs.sapo.pt/glossario-sucinto-para-melhor-29693

24
Fev24

ANTOLOGIA _ A1 ( I - 89) - JARDIM DAS TORMENTAS. 1913. Contos. «Os Ladrões das Almas»

I - Jardim das Tormentas. 1913

Manuel Pinto

(...) «Uma noite, depois de cear, quando as lenhas estavam cortadas e empilhadas, à mão da cozinheira, o menino veio dizer à mãe que os Cletos tinham metido, cada um, o seu tropeço de broa no bolso, grande como burro.
Mal viraram costas, a senhora Maria Andrade correu ao açafate a verificar. E, ainda que encontrasse comido o mesmo pão de sempre, desatou em altos brados:
  -- Excomungados, levaram-me um pão de quarta. Oh! lobos os devorem!
Ao outro dia, os Cletos cearam, espreitados por muitos olhos. E, antes de dar graças, todos viram que, sorrateiramente, cada um alforjava na véstia a sua fatia de centeio. A senhora Mariquinhas pôde exclamar, triunfante:
  -- Ah! que há muito eu notava a diferença no açafate! O inocentinho não mentia. Gatunos!
O senhor Andrade, para quem a desafronta conjugal era questão de faca ao peito, despediu os Cletos dois dias antes de terminar a arrumação das lenhas. E a toda a gente a sua senhora foi dizendo:
  -- Vejam lá que manhas eles têm! Ainda hão-de acabar por sair à estrada.
Entre os jornaleiros não houve outra coisa em que falar. Até mesmo o latagão do Sem-Tempo, molangueiro e lorpa, abria as queixadas de jacaré:
  -- Abrenúncia, eu cá antes queria morrer à fome!
  -- Hão-de ir morrer nas Pedras Negras! Ele é um grandessíssimo cornudo e o filho um valdevinos que só está bem ao pé das marafonas.
Ergueu-se grande burburinho no povo. O Zé Cleto andou a rondar-lhes a casa, de focinho torvo. Joana veio-lhes à porta perguntar quanto devia pelas côdeas que seu homem e seu filho levaram para os meninos.
A senhora Maria Andrade, que lá tinha os seus podres e teve medo da língua dela, afiada como lanceta, desdisse-se, não teve pejo de meter os pés pelas mãos, gaguejando um rosário de lampanas. Mas em voz alta, assim que Joana voltou as costas, perante este mundo e o outro, para que fossem todos muito boas testemunhas, foi clamando que, se aparecesse morta ou ferida, do filho do Cleto se queixassem.» ...
                                                                                           (continua)

Tropeço naco duro.

Lampanas petas, intrujices, lerias, mentirosos.
 

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