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Alcança quem não cansa

Um Blog utilizado para a divulgação das obras de Aquilino Ribeiro. «Move-me apenas o culto da verdade, pouco me importando que seja vermelha ou branca.» [Aquilino Ribeiro]

Um Blog utilizado para a divulgação das obras de Aquilino Ribeiro. «Move-me apenas o culto da verdade, pouco me importando que seja vermelha ou branca.» [Aquilino Ribeiro]

Alcança quem não cansa

19
Jun24

ANTOLOGIA _ A1 ( XXI - 41) - LUÍS DE CAMÕES - Fabuloso * Verdadeiro. 1950. Ensaio. «DO BERÇO À NAU S. BENTO» {c. VI de XVIII} * [ vol. I ]

XXI - LUÍS DE CAMÕES - Fabuloso * Verdadeiro . 1950. Ensaio.

Manuel Pinto

CAP VI RESUMO.jpg

... «O que se nos afigura arbitrário de todo é que se tome para alicerce da vida de Camões, como todas as vidas, cadeia lógica de actos irreflectidos, discricionários, ilógicos, um solo tão inconsistente. Decerto que o homem e o nosso processo civilizador têm no espírito de imitação o seu artífice principal. Sabemos também que o Secretário dos Amantes pode servir como forma de expressão ao amor mais real. Ensina-no-la Stendhal no Le Rouge et le Noir, quando Juliano se serve do mesmo epistolário para seduzir a filha do Sr. de La Mole.
No entanto, debaixo do ponto de vista informativo, a atitude aconselhável nestes casos é a da reserva. Debaixo do aspecto literário, o difícil em verso, consoante o conceito de escola, não é a invenção, mas a rima, o ritmo, a cadência, e isso de intraduzível, de imponderável, de divino, que desce da fronte dos poetas, como a pomba do Espírito Santo, e se chama estro. Por isso mesmo, os livros de bons versos são intraduzíveis, e quando algum poeta traduz outro pode dizer-se que faz coisa sua, ou muito aproximadamente sua.
Que a mesma linfa poética pode regar jardins diferentes, ninguém contesta. Tantas vezes porém a iteração psicológica não será mais que um exercício poético ou puros jogos florais. Quando o poeta canta:
 
    Aqui esteve sentada, ali me viu,
    Erguendo aqueles olhos, tão isentos...
 
transporta-se de facto à presença da amada, ou esta não é mais que a borboleta pregada na prancha reluzida de Petrarca:
 
    Qui si rivolse, e qui rattenne il passo 
    Qui co' begli occhi mi trafisse il core...
 
nenhum juízo se pode garantir com segurança.
A introdução do dolce stil nuovo, como o facturaram à laia de mercadoria a colocar os importadores nacionais, representa, na ordem literária, uma sistemática e subtil transposição do claro para o claro obscuro, do amor como toda a gente o sente, desejo, querer bem e odiar à mistura, gostar doutrem e desdenhar, para o estado de ansiedade, com alto e baixos emocionais, transportes líricos, negros e tantálicos desesperos. No domínio da técnica recorreram decerto a formas inéditas. Adoptá-las era o mesmo que seguir a moda. Praticava-se até ali a medida trocaica, passou-se para o hendecassílabo jâmbico. Agrupavam-se os versos por quadras, passou a usar-se a oitava.» ...
 
(continua)
18
Jun24

ANTOLOGIA _ A1 ( XXI - 40) - LUÍS DE CAMÕES - Fabuloso * Verdadeiro. 1950. Ensaio. «DO BERÇO À NAU S. BENTO» {c. VI de XVIII} * [ vol. I ]

XXI - LUÍS DE CAMÕES - Fabuloso * Verdadeiro . 1950. Ensaio.

Manuel Pinto

CAP VI RESUMO.jpg

... «Acontece porém que a canção é bordada na talagarça duma outra, de Boscán, perdendo assim com a falta de originalidade subjectiva, senão todo, boa parte do seu valor testemunhal. A poesia do poeta catalão, introdutor em Espanha dos metros novos italianos, é esta:
 
    Claros e frescos rios,
    Que mansamente vays 
    Siguiendo vuestro natural camiño,
    ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... 
    Pues quiso mi ventura 
    Que uviesse de apartarme 
    De quiem jamas osé pensar partirme,
    En tanta desventura 
    Conviene consolarme,
    Que no es agora tempo de morirme.
    El alma ha-de estar firme...
    ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... 
 
O professor Hernâni Cidade, que fez o confronto das duas composições, sublinha quanto se ajustam no seguinte: Dentro de cenários análogos -- um rio de águas mansamente deslizando -- a mesma perspectiva de mágoa de ausência, a mesma promessa de constância amorosa, não sem um ou outro eco, fugidio embora, da própria expressão.
Que grau de importância, sob o ponto de vista de pragmática, digamos, se deve atribuir a uma composição, cujo pensamento e traça geral representam um decalque? Evidentemente que os estados de alma se repetem de indivíduo para indivíduo. Mas quem vê nesta canção um argumento comprovativo da estada de Luís de Camões em Coimbra não é difícil juiz. Fala do Mondego, e ainda que não pronuncie o nome de Coimbra, aceita-se que seja ela a florida terra, leda, fresca e serena. Mas tal circunstância não implica de modo irrefutável que, de facto, Luís de Camões ali vivesse ledo e contente.
Tendo em vista o que há de inventivo e suposto em todas as ficções poéticas, sobretudo quando observantes do cânon petrarquiano, muito mais seria para pôr de quarentena a informação que filtra desta poesia em virtude de se desenrolar segundo uma vereda aberta por outrem. Quanto aos créditos que se devam outorgar a fantasmagorias e devaneios da imaginação, demos a palavra ao Dr. José Maria Rodrigues:
 Pertenceu ele (Camões) como autor desta espécie de poesias à chamada escola petrarquista, isto é, idealizou uma ou mais criaturas femininas fazendo-lhes versos, como se morresse de paixão por elas, cantando-as como se fossem senhoras do seu coração, mas só com a mira em dar forma literária a impressões que não sentia, ou foi um amoroso por temperamento, um amoroso, digamos assim, à antiga portuguesa? E em qualquer dos casos será possível averiguar quem foi que lhe inspirou tão formosos versos?»...
(continua)
17
Jun24

ANTOLOGIA _ A1 ( XXI - 39) - LUÍS DE CAMÕES - Fabuloso * Verdadeiro. 1950. Ensaio. «DO BERÇO À NAU S. BENTO» {c. VI de XVIII} * [ vol. I ]

XXI - LUÍS DE CAMÕES - Fabuloso * Verdadeiro . 1950. Ensaio.

Manuel Pinto

capa livro  vol 1.jpg

1ª parte do berço GRANDE.jpg

CAP VI pp. 87.jpg

... Assim, decerto, era mais bonito, mais trovadoresco pelo menos. A mula que é costume alugar na nossa terra, com um arrieiro à frente de pau argolado, e lenço em triângulo para as costas contra o ferrão das moscas, atraídas pela saburra suarenta da pescoceira, bate que bate, mete mais romanesco, mas peca por prosaica. E as sensações daquela hora cristalizaram na canção, de que derivam o argumento máximo quanto à estada de Camões em Coimbra e aos amores que ali tomou:
 
    Vão as serenas águas 
    Do Mondego descendo,
    Tão mansamente que até ao mar não param,
    Por onde minhas mágoas,
    Pouco a pouco crescendo, 
    Para nunca acabar se começaram.
    Ali se me ajuntaram 
    Neste lugar ameno --
    -- Aonde agora mouro --
    Testa de neve e ouro, 
    Riso brando e suave, olhar sereno,
    Um gesto delicado 
    Que sempre na alma me estará pintado.
 
           Nesta florida terra,
    Leda, fresca e serena,
    Ledo e contente para mi vivia:
    Em paz com minha guerra, 
    Contente com a pena
    Que de tão belos olhos procedia,
    ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... 
    ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... 
    ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... 
 
    Como à que me condena:
    Que mais sentirei vosso sentimento
    Que o que a minha alma sente.
    Moura eu, senhora, e vós ficai contente!
 
    Canção, tu estarás 
    Aqui acompanhando
    Estes campos e estas claras águas;
    E por mim ficarás 
    Chorando e suspirando,
    E ao mundo mostrando tantas mágoas,
    Que de tão larga história 
    Minhas lágrimas fiquem por memória.» ...
 
(continua)
15
Jun24

ANTOLOGIA _ A1 ( XXI - 38) - LUÍS DE CAMÕES - Fabuloso * Verdadeiro. 1950. Ensaio. «DO BERÇO À NAU S. BENTO» {c. V de XVIII} * [ vol. I ]

XXI - LUÍS DE CAMÕES - Fabuloso * Verdadeiro . 1950. Ensaio.

Manuel Pinto

res cap 5 .jpg

... «Latino Coelho é de parecer que em Lisboa não faleciam escolas para Luís de Camões, à semelhança de outros notáveis espíritos, alcançar em matéria de conhecimentos o grau mais alto. Em D. António da Costa se lê também que a possibilidade de se formar em Lisboa não era menor do que em Coimbra.
Fosse como fosse, Camões era um espírito de eleição, servido por um cabedal enciclopédico raro. Só muito pela rama lhe assentam estas palavras de Storck, discutíveis porventura, mas reflectidamente germânicas:
Saber muito era o característico daquela era; a instrução enciclopédica o sonho dourado dos humanistas. Ser versado em todos os campos da ciência humana ou fazer alarde de o ser era o costume dos poetas quinhentistas, que bordam os seus versos com dados e factos, tanto mais preciosos quanto menos sabidos, ostentando alusões escuras, figuras eruditas, comparações enigmáticas, raros paralelos e ignotos exemplos de história e mitologia de gregos e romanos, a fim de muito advertidamente fazer pasmar o leitor ingénuo, que costuma ficar perplexo diante de tanta erudição alexandrina!
O primeiro lustro em Coimbra pode considerar-se, pedagogicamente falando, safro de todo. O quadro dos professores era insuficiente e foi preciso mandá-los vir de toda a parte a poder de dinheiro. Veio uma revoada de nomes ilustres, sem valer todavia os grandes nomes da Sorbonne, de Bolonha, de Salamanca. O certo é que a prata da casa, como se diz, essa com que Luís de Camões se poderia ter servido, não correspondera ao escopo nem às necessidades reconhecidas da cultura, pois que foi preciso importar catedráticos.
Pode calcular-se o báratro que não seria a Universidade reformada, nos seus alvores. Só em 1544, as diversas cadeiras, distribuídas por Santa Cruz e no Paço, puderam agrupar-se debaixo dum só e mesmo tecto. Depois desta obra de unificação é que pensaram executar o principal do programa, pode dizer-se: a fundação do Colégio das Artes, destinado ao estudo das línguas clássicas e humanidades, como habilitação preparatória para o ingresso às Faculdades. Em 1548 André de Gouveia entrou a reger este estabelecimento de fundamental importância, juntamente com o corpo de mestres que recrutara em França. Camões não pôde beneficiar das disciplinas ali processadas porquanto, no consenso geral dos biógrafos, já se encontrava em Lisboa por 1544, tendo acabado os estudos, segundo Juromenha, em 1542, desavindo com o tio e sem haver tomado graus, segundo Storck.
Foi curto o fulgor da Lusa Atenas. Em 1555 os jesuítas, do mesmo modo que já tinham a mão sobre as Faculdades, apossavam-se do Colégio das Artes, submetendo-o aos seus métodos de rigorosa escolástica, e os professores eram deferidos ao Tribunal do Santo Ofício. Poderia dizer-se que D. João III, na sua reforma universitária, tivera em mira, menos pagar-se da falta de boa cortesia dos velhos lentes, que duma aversão entranhada pela cultura em geral.» 
* * * * * 
 
14
Jun24

ANTOLOGIA _ A1 ( XXI - 37) - LUÍS DE CAMÕES - Fabuloso * Verdadeiro. 1950. Ensaio. «DO BERÇO À NAU S. BENTO» {c. V de XVIII} * [ vol. I ]

XXI - LUÍS DE CAMÕES - Fabuloso * Verdadeiro . 1950. Ensaio.

Manuel Pinto

res cap 5 .jpg

... «Desta árvore, transplantada tão precipitadamente e logo de princípio mortificada de enxertias e híbridos, que saiu? Túrgidas de todo o polme congenital jurídico-escolástico, as belas espécies teratológicas de Martinho de Azpilcueta e Francisco Suarez.
Voltando à nossa proposição: a ajuizar pelas normas pedagógicas e suma didáctica em uso neste e naquele claustro, especialmente em S. Domingos e Santo Antão, é fora de dúvida que Luís de Camões não tinha necessidade de sair de Lisboa para aprender o que se ensinava em Coimbra. Segundo o testemunho de André de Resende, Frei Luís de Sousa, Baltasar Teles, etc., etc. os programas equivaliam-se. Frei Bartolomeu dos Mártires, Diogo do Couto, Damião de Góis, o próprio Pedro Nunes formaram-se nas aulas monacais de Lisboa.
Não nos admiremos pois, admitindo que os pais de Luís de Camões tivessem em mira dar-lhe a educação mais esmerada, achassem melhor segurá-lo em Lisboa, mandando-o às aulas que davam em seus respectivos claustros dominicanos e jesuítas. A este respeito escreve o visconde de Juromenha:
As relações que Simão Vaz de Camões tinha com os padres de S. Domingos, que naquele tempo gozavam de bastante reputação literária; a proximidade da casa com o convento; a docilidade com que o poeta a seu rogo emendou e riscou alguns lugares do poema; o recreio que mostrava e a consolação que sentia com a companhia destes religiosos nos últimos e desgraçados tempos da sua vida, arrastando-se, encostado  a umas muletas, para ouvir as lições de teologia que se davam neste convento, me faz acreditar que fossem estes religiosos os primeiros preceptores do nosso Poeta, frequentando ele as suas aulas, que naquele tempo eram concorridas pelas principais pessoas da Corte.
As principais pessoas da Corte não aprendiam letras, mas o certo é que os padres tinham estas cátedras ad libitum. Ao contrário, as escolas de Coimbra tiveram desde logo a frequência escolarizada e com ela a escrita em dia, que ainda hoje se pode compulsar nos cartórios da Universidade. Pretendendo ratificar a versão oficializada de que Luís de Camões frequentara as suas disciplinas já com a nova reforma, o visconde de Juromenha mandou proceder a minuciosas buscas. Encontraram-se nos tombos as matrículas coevas ao tempo em que Luís de Camões poderia ter cursado os estudos, mas nenhuma se reportava ao seu nome.» ...
(continua)
 

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