«POESIA E PINTURA NA POESIA DE CAMÕES. A relação entre a poesia e a pintura, a eventual dependência de uma em relação à outra ou, se se preferir, a supremacia de uma sobre a outra, as respectivas semelhanças e diferenças, a maior ou menor expressividade de cada uma delas, eis alguns dos termos de um debate que vem de longe e que não parece ter fim à vista.
O poeta grego Simónides (séculos VI-V a. C.) terá sido o primeiro a definir a pintura como «poesia muda» e a poesia como «pintura que fala», expressão que Luís de Camões veio a acolher: «Feitos dos homens que, em retrato breve, / A muda poesia ali descreve» (Os Lusíadas, VII.76.7-8); «E, como a seu contrairo natural, / À pintura que fala querem mal» (Os Lusíadas, VIII.41.7-8).
Sobre o assunto dissertou, também Aristóteles, na sua Poética; mas foi Horácio, já no século I a. C. (quatro séculos depois de Aristóteles), na sua Arte Poética, quem ditou as bases, se assim pode dizer-se, de uma polémica que haveria, ao longo dos séculos, de encher páginas de tratados sobre Poética ou sobre Pintura. É dele a afirmação que haveria de tornar-se, ao mesmo tempo, emblemática e ponto de referência de todas as controvérsias a este respeito: ut pictura poesis («como a pintura, assim é a poesia»).»
Carlos Ascenso André,
in «DICIONÁRIO de LUÍS de CAMões»,
Coordenação de Vítor Aguiar e Silva, 1ª edição (Setembro de 2011).
Editorial Caminho.
https://www.rtp.pt/play/palco/p14060/e818510/os-lusiadas
Os Lusíadas
Canto VIII - Cirila Bossuet
26 dez. 2024
Série inserida nas comemorações dos 500 anos de Luís de Camões que consiste na interpretação dos 10 cantos por 10 atrizes em 10 locais distintos. Numa era pós-colonialista, ouviremos as palavras, durante tantos séculos cristalizadas num só sentido, ditas em relação com a nossa atualidade. A finalidade é confrontar o texto com 500 anos com o tempo presente e perceber que reverberação estas mesmas palavras terão nos dias de hoje, num Portugal 2024. Consoante o conteúdo de cada Canto, uma atriz interpreta-o num local que retrate a nossa sociedade moderna e, de alguma forma, o nosso País.
![Play - Os Lusíadas]()
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CANTO VIII
1.
NA primeira figura se detinha
O Catual que vira estar pintada,
Que por divisa um ramo na mão tinha,
A barba branca, longa e penteada.
Quem era e por que causa lhe convinha
A divisa que tem na mão tomada?
Paulo responde, cuja voz discreta
O Mauritano sábio lhe interpreta:
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OS LUSÍADAS ( VIII.39 )
41.
«Outros também há grandes e abastados,
Sem nenhum tronco ilustre donde venham:
Culpa de Reis, que às vezes a privados
Dão mais que a mil que esforço e saber tenham.
Estes os seus não querem ver pintados,
Crendo que cores vãs lhe não convenham,
E, como a seu contrairo natural,
À pintura que fala querem mal.
42.
«Não nego que há, contudo, descendentes
Do generoso tronco e casa rica,
Que, com costumes altos e excelentes,
Sustentam a nobreza que lhe fica;
E se a luz dos antigos seus parentes
Neles mais o valor não clarifica,
Não falta, ao menos, nem se faz escura;
Mas destes acha poucos a pintura.»
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99.
Este interpreta mais que sutilmente
Os textos; este faz e desfaz leis;
Este causa os perjúrios entre a gente
E mil vezes tiranos torna os Reis.
Até os que só a Deus omnipotente
Se dedicam, mil vezes ouvireis
Que corrompe este encantador, e ilude;
Mas não sem cor, contudo, de virtude!